No início deste ano vivenciei uma situação na qual inúmeras pessoas já passaram. Meu equipamento Tablet com 2 anos e 4 meses de uso num certo dia não ligou, não carregou, enfim apresentou defeito. Me dirigi até a assistência técnica autorizada do equipamento e lá recebi um laudo genérico no qual constava orçar placa principal e bateria. Ocorre que o Tablet não se encontrava mais sob o amparo da garantia contratual, apresentando problemas com 2 anos e 4 meses de uso, e o valor informado para conserto do equipamento era exorbitante, se comparado a um novo.
A partir daí surgiu a dúvida: O que fazer? “Jogar fora” o tablet e comprar um novo ou autorizar o reparo na assistência técnica credenciada?
Vivemos assoberbados de tarefas e se deparar com mais uma neste universo de demandas nos leva a tomar a decisão que gere menos “dor de cabeça” naquele momento.
O objetivo aqui não é questionar as decisões individuais, pois cada um avalia e decide o que é melhor em determinada situação. Entendo que o papel do advogado também é disseminar uma cultura de conhecimento jurídico sobre as situações da vida, oportunizando as pessoas e as empresas, através da sabedoria, avaliarem melhor as circunstâncias por elas vivenciadas.
A partir desse fato analiso a responsabilidade do fornecedor por defeito oculto apresentado em produto fora do prazo de garantia contratual, ou seja, vício apresentado durante a denominada “vida útil do produto”.
O STJ no Recurso Especial 1.787.287 julgado em 14/12/2021 reconheceu a responsabilidade do fornecedor por defeitos ocultos apresentados em eletrodomésticos, mesmo já estando vencida a garantia contratual, mas ainda durante o prazo de vida útil dos produtos. Para o colegiado, nessa hipótese, a responsabilidade civil do fornecedor ficará caracterizada se não houver prova de que o problema foi ocasionado pelo uso inadequado do produto pelo consumidor. Algo bem interessante nesse julgamento é que ele se recorre à pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e pelo Instituto de Pesquisa Market Analysis, para informar o tempo de vida útil de equipamentos digitais. O site para consulta:
http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf
Ciente da possibilidade de responsabilização do fornecedor por defeito oculto em produto mesmo depois de expirada a garantia contratual, algumas observações são necessárias: prazo de 90 dias para exercer o direito de reclamar, a partir do momento que ficar evidenciado o defeito (laudo técnico da assistência autorizada); no laudo da assistência técnica deve ficar evidenciado que o problema não foi ocasionado por mau uso do consumidor.
Por outro lado, é importante as empresas estarem atentas a essa situação. Evidente que a análise de uma única ocorrência com incidência da “teoria da vida útil do produto” não é relevante, tratando-se de mais um caso em que ingressa no chamado “risco do negócio”. Mas, um conjunto de situações semelhantes a narrada poderá reverberar no fluxo de caixa da empresa. Uma análise jurídica estratégica vislumbra: ações judiciais compõem o passivo da empresa; nas condenações judiciais há incidência de correção monetária e juros de mora, sendo que o IGP-M é um índice atrelado ao dólar, cuja variação tem sido significativa nos últimos anos; sem falar na imagem da empresa. Hoje, os consumidores se fidelizam a marca, a partir de vivências, e no atual mercado competitivo, com inúmeros atrativos, aquela que oferecer a melhor experiência para o cliente manterá ele fidelizado.